Assisti ontem ao Uruguai-Argentina com um amigo com quem fui à América do Sul há 5 anos atrás. A propósito do jogo relembrei-me da nossa viagem. Que cidade fantástica, Buenos Aires! Indescritível! Tenho muitas e boas recordações e tenho a certeza que se a vida me proporcionar, um dia voltarei.
Para além de todas as visitas culturais, monumentais e noctívagas que fizemos, havia uma outra que era imprescindível. Pelo menos para quem gosta de futebol: tinhamos que ir ver um jogo na “Bombonera”. Azar do caraças, o Boca Juniors jogava fora nesse domingo. Mas nem tudo eram más notícias. O jogo era no estádio do Independiente em Avellaneda, cidade muito “afamada” dos arredores de Buenos Aires. Começamos a tratar do assunto e na recepção do hotel ficamos a saber que organizavam idas aos jogos incluindo transporte e bilhete. A preços descabidos, diga-se. Por metade do que nos queriam cobrar podiamos ir ao jogo para a tribuna central, tratando das coisas nós próprios.
- Están locos?! Não sabem o que é Avellaneda! – disse-nos o recepcionista. Só para começar...
Insistimos e lá nos disse onde se compravam os bilhetes. Tinhamos que ir à sede do clube. Metemo-nos num táxi:
- Avellaneda?! O que é que vão lá fazer??
- Comprar bilhetes para ir ver o Boca.
- Não, não! Vocês não vão ver o Boca, na melhor das hipóteses vão ver o Racing ou o Independiente. Não falem do Boca para não terem problemas...
- Sim, sabemos disso, mas o que queremos mesmo é ver o Boca jogar.
Compramos os bilhetes para a tribuna central do Independiente por meia dúzia de pesos e viemos embora. No táxi que apanhámos de regresso o taxista também achou estranho. O que é que duas alminhas estrangeiras andavam a fazer em Avellaneda? Dissemos ao que fomos.
- Porra! Tinham que ir ver o Racing!
- Mas nós queremos ir ver o Boca e este fim de semana não há jogo na Bombonera.
- Mas no Racing joga um miúdo que vai dar que falar! O Lisandro *. Só tem 21 anos mas é muito forte, tem muita raça e marca muitos golos.
- Vai ter que ficar para a próxima, porque já temos os bilhetes para o Independiente-Boca
* Sim, o Lisandro López que passado um ano veio jogar para o FCP. Não o vimos no estádio mas vimo-lo nos resumos na TV. Realmente deu para perceber que estava ali uma promessa. E cumpriu-se.
A conversa continuou por mais uma boa meia hora e falamos de muitas outras coisas para além de bola, pois os argentinos têm uma cultura impressionante. É por isso que são os melhores do mundo e dos melhores da América Latina...
No dia seguinte fomos para o estádio. O taxista, um senhor na casa dos 70 anos, levou-nos até onde podia:
- Em Avellaneda é preciso cuidado e em dias de jogo ainda mais. Não quero que vos aconteça nada, portanto vou levar-vos o mais perto da vossa zona de entrada. Não posso ir até ao fim senão já não consigo sair de lá.
A agitação era cada vez maior, com os hinchas do Independiente a dominar as ruas. Deixou-nos num cruzamento. A caminhada até ao estádio foi feita apressada mas discretamente. Entre pregões de vendedores e gritos de adeptos a confusão naquela rua era total. Entramos no estádio. Melhor lugar só na tribuna presidencial, tinhamos uma vista soberba e remediavelmente segura.
O Doble Visera, estádio muito velho, usado, violentado e inacabado tinha ferros a sair do betão de algumas bancadas que tinham capacidade oficial para encher até caber gente. Disseram-nos que umas 40 mil pessoas. Atrás de uma das balizas e na bancada em frente, os hinchas da equipa da casa continuavam a dominar. Dez minutos para rolar a bola. A coreografia oficial começa. Centenas de rolos de papel são atirados para o campo, causando a anarquia total.
Entretanto os vendedores ambulantes movimentam-se por cima das nossas cadeiras de madeira já apodrecida, pois está toda a gente em pé. Vendem café numa cafeteira de latão com torneira que é servido num copo que tem que ser devolvido para servir o próximo cliente. Também vendem latas (!) de cerveja e coca cola. As equipas entram em campo. Acendem-se tochas, algumas são arremessadas para a cancha (campo em “argentino”).
“Pitazo del árbitro” e começa a partida.
Ao intervalo, várias jovens passeiam-se em campo envergando um enorme cartaz onde se lê: VIOLENCIA NO!
No final o Independiente ganhou 2-1 com dois golos dum jogador que gostariamos de ter visto brilhar na Europa, Federico Insúa. Magnífico pé esquerdo! Os adeptos da casa (nós incluídos) esperam que os visitantes saiam e não o contrário, como cá acontece.
Voltamos para Buenos Aires e o primeiro comentário que fizemos sobre o jogo foi: vamos ver outro?